terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sobre moluscos e homens

Piaget, antes de se dedicar aos estudos da psicologia da aprendizagem, fazia pesquisas sobre os moluscos dos lagos da Suiça. Os moluscos são animais fascinantes. Dotados de corpos moles, seriam petiscos deliciosos para os seres vorazes que habitam as profundezas das águas e há muito teriam desaparecido se não fossem dotados de uma inteligência extraordinária. Sua inteligência se revela no artifício que inventaram para não se tornarem comida dos gulosos: constroem conchas duras – e lindas! - que os protegem da fome dos predadores. Ignoro detalhes da biografia de Piaget e não sei o que o levou a abandonar seu interesse pelos moluscos e a se voltar para a psicologia da aprendizagem dos humanos. Não sabendo, tive de imaginar. E foi imaginando que pensei que Piaget não mudou o seu foco de interesse. Continou interessado nos moluscos. Só que passou a concentrar sua atenção num tipo específico de molusco chamado “homem”. Se é que você não sabe, digo-lhe que muito nos parecemos com eles: nós, homens, somos animais de corpo mole, indefesos, soltos numa natureza cheia de predadores. Comparados com os outros animais nossos corpos são totalmente inadequados à luta pela vida. Vejam os animais. Eles dispõem apenas do seu corpo para viver. E o seu corpo lhes basta. Seus corpos são ferramentas maravilhosas: cavam, voam, correm, orientam-se, saltam, cortam, mordem, rasgam, tecem, constroem, nadam, disfarçam-se, comem, reproduzem-se. Nós, se abandonados na natureza apenas com o nosso corpo, teríamos vida muito curta. A natureza nos pregou uma peça: deixou-nos, como herança, um corpo molengão e inadequado que, sozinho, não é capaz de resolver os problemas vitais que temos de enfrentar. Mas, como diz o ditado, “é a necessidade que faz o sapo pular”. E digo: é a necessidade que faz o homem pensar. Da nossa fraqueza surgiu a nossa força, o pensamento. Parece-me, então, que Piaget, provocado pelos moluscos, concluiu que o conhecimento é a concha que construímos a fim de sobreviver. O desenvolvimento do pensamento, mais que um simples processo lógico, desenvolve-se em resposta a desafios vitais. Sem o desafio da vida o pensamento fica a dormir... O pensamento se desenvolve como ferramenta para construirmos as conchas que a natureza não nos deu. O corpo aprende para viver. É isso que dá sentido ao conhecimento. O que se aprende são ferramentas, possibilidades de poder. O corpo não aprende por aprender. Aprender por aprender é estupidez. Somente os idiotas aprendem coisas para as quais eles não têm uso. Somente os idiotas armazenam na sua memória ferramentas para as quais não têm uso. É o desafio vital que excita o pensamento. E nisso o pensamento se parece com o pênis. Não é por acidente que os escritos bíblicos dão ao ato sexual o nome de “conhecimento”... Sem excitação a inteligência permanece pendente, flácida, inútil, boba, impotente. Alguns há que, diante dessa inteligência flácida, rotulam o aluno de “burrinho”... Não, ele não é burrinho. Ele é inteligente. E sua inteligência se revela precisamente no ato de recusar-se a ficar excitada por algo que não é vital. Ao contrário, quando o objeto a excita, a inteligência se ergue, desejosa de penetrar no objeto que ela deseja possuir. Os ditos “programas” escolares se baseiam no pressuposto de que os conhecimentos podem ser aprendidos numa ordem lógica predeterminada. Ou seja: ignoram que a aprendizagem só acontece em resposta aos desafios vitais que estão acontecendo no momento ( insisto nessa expressão “no momento” – a vida só acontece “no momento” ) da vida do estudante. Isso explicaria o fracasso das nossas escolas. Explicaria também o sofrimento dos alunos. Explicaria a sua justa recusa em aprender. Explicaria sua alegria ao saber que a professora ficou doente e vai faltar... Recordo a denúncia de Bruno Bettelheim contra a escola: “Fui forçado (!) a estudar o que os professores haviam decidido o que eu deveria aprender – e aprender à sua maneira...” Não há pedagogia ou didática que seja capaz de dar vida a um conhecimento morto. Sòmente os necrófilos se excitam diante de cadáveres. Acontece, então, o esquecimento: o supostamente aprendido é esquecido. Não por memória fraca. Esquecido porque a memória é inteligente. A memória não carrega conhecimentos que não fazem sentido e não podem ser usados. Ela funciona como um escorredor de macarrão. Um escorredor de macarrão tem a função de deixar passar o inútil e guardar o util e prazeroso. Se foi esquecido é porque não fazia sentido. Por isso acho inúteis os exames oficiais ( inclusive os vestibulares ) que se fazem para avaliar a qualidade do ensino. Eles produzem resultados mentirosos por serem realizados no momento em que a água ainda não escorreu. Eles só diriam a verdade se fossem feitos muito tempo depois, depois do esquecimento haver feito o seu trabalho. O aprendido é aquilo que fica depois que tudo foi esquecido... Vestibulares: tanto esforço, tanto sofrimento, tanto dinheiro, tanta violência à inteligência... O que sobra no escorredor de macarrão, depois de transcorridos dois meses? O que restou no seu escorredor de macarrão de tudo o que você teve de aprender? Duvido que os professores de cursinhos passem nos vestibulares. Duvido que um professor de português se saia bem em matemática, física, química e biologia... Eles também esqueceram. Duvido que os professores universitários passem nos vestibulares. Eu não passaria. Então, por que essa violência que se faz sobre os estudantes? Ah! Piaget! Que fizeram com o seu saber? Que fizeram com a sua sabedoria? É preciso que os educadores voltem a aprender com os moluscos...

Sobre moluscos e homens (Rubem Alves)
Fonte : http://www.rubemalves.com.br/sobremoluscosehomens.htm



sábado, 3 de outubro de 2009

Depois de um dia de Faxina - Faxina na alma

O titulo do post é totalmente inspirado em um Carlos Drummond de Andrade...Mas o que eu tenho pra blogar hoje e como quase sempre, é bem meu... Pra não deixar o blog entregue as baratas, comprometi-me comigo mesmo de postar nele qualquer coisa, desconsiderando até que existe quem passa por aqui na tentativa de ler algo interessante e acaba se deparando apenas com subjetivações de uma pessoa em ascendência ainda...
Na verdade, o blog deveria ser um diario pessoal, mas não estou acostumada a publicar o que escrevo em meus diarios propriamente ditos. E quando o faço,como pretendo agora e em algumas vezes, me sinto tão boba.. Isso porque sei que existem coisas que são só minhas e ninguém estar apto ou tem meu consentimento para compreendê-las, não aqui,não nesse espaço. Mas hoje queria sim falar um pouco do meu dia, que foi bom, muito bom. Estou cansada, depois de uma longa faxina que levou meu sabado inteiro.Oras, eu previa que depois do fim de semana passado badalado e com bons motivos pra comemorações, bem que eu precisava de um fim de semana em casa, sossegada, do jeito que mais gosto... Não, não é que eu goste exatamente da faxina, mas gosto do resultado... Poucas coisas são tão recompensantes como o cheirinho de limpeza e esse clima de mudança no ar... Humm..Bom.. Lembrei agora ate de algo dito por Madre Tereza : A maior satisfação é o dever cumprido!
E nossa como é vasto o significado da faxina... Tenho uma amiga que sempre que precisa rever seus conceitos faz uma faxina.... Eu não necessitava tanto rever meus conceitos, hoje precisava mesmo por as coisas no lugar, em ordem, pois preciso disso pra me sentir bem...Mas acabei indo mais longe, a faxina me arrancou sorrisos... Encontrei tantas coisas de um passado não tão distante e em muito presente - anotações, livros que li e gostei ,livros que ganhei e até hoje não li, dedicatórias que me fizeram lembrar com carinho de tantas pessoas especiais que passaram por minha vida e mesmo longe agora, de algum modo ficaram. Reli cartões, cartas, comentários e me dei conta de como sou ou pelo menos fui querida e de como isso faz tão bem pra mim e o carinho que tenho acaba sendo ainda maior que uma simples reciproca...
Tive tanto trabalho em me disfazer do taxado "desnecessario" , parece que tudo que mantenho é dotado de tanto valor, até anotações velhas, formulas de quando eu fazia cursinho pra minha sonhada federal, revistas, coleções, embrulho de presentes que ganhei e que de alguma forma valeram muito mais do que o proprio conteudo... Tantão de coisa boa de se rever e outras coisas que sei que nunca mais reverei ou utilizarei...
Sabe, julgo uma boa faxina,além da limpeza, pelo tanto de coisas que consigo jogar fora, porque ai sei que ela realmente aconteceu, que acontece uma repaginada. Hoje conclui tudo com uma caixa cheia de entulhos e três sacolas. Pouco. Constatei que preciso de uma outra faxina e aprender definitivamente a cultivar a arte do desapego pra deixar um monte de coisas irem embora. Mas sempre consigo adiar pra proxima vez algumas idas ou despedidas e nisso continuo colecionando coisas e coisas sem nenhum valor real ou utilidade pratica aos olhos de terceiros, mas que me valem tanto que até doi só em pensar em me desfazer delas.. Que mania de atribuir tanto valor as coisas, coisas que me lembram pessoas, pessoas que foram e são especial pra mim.
As vezes acho que mudei tanto nos ultimos três anos, as vezes acho que não mudei nada.
Talvez agora finalmente, com essa blogada eu tenha concluido uma suposta faxina na alma, que ja começou há algum tempo e parece que se perpetua...
Sei que agora uma real mudança vai acontecer, mudança mesmo no sentido geografico, fisico ou de espaço que seja. Tudo indica casa nova no ar e logo vida nova também e renovada. E quem sabe em um novo espaço eu consiga deixar definitivamente pra trás certos resquicios, certos pedaços de mim... Mas até la ( inicio do proximo ano) tudo pode passar e se eu não julgar realmente necessario ou desnecessario, continuarei com minhas caixas e caixas de lembranças atras de mim , atravessando ruas e rios, cidades e fronteiras e seguindo sem acreditar num fim...